Poesia Matemática Millôr Fernandes
Às folhas tantas do livro matemático um Quociente apaixonou-se um dia doidamente por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos romboides, boca trapezoide,
corpo retangular, seios esferoides.
Fez de sua uma vida paralela à dela até que se encontraram no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos. Mas pode me chamar de Hipotenusa.
" E de falarem descobriram que eram (o que em aritmética corresponde a almas irmãs) primos entre si.
E assim se amaram ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação traçando ao sabor do momento e da paixão retas,
curvas, círculos e linhas senoidais nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar constituir um lar, mais que um lar, um perpendicular.
Convidaram para padrinhos o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro sonhando com uma felicidade integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones muito engraçadinhos.
E foram felizes até aquele dia em que tudo vira afinal monotonia.
Foi então que surgiu O Máximo Divisor Comum frequentador de círculos concêntricos, viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela, uma grandeza absoluta e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu que com ela não formava mais um todo, uma unidade.
Era o triângulo, tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração, a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade e
tudo que era espúrio passou a ser moralidade como aliás em qualquer sociedade.
Texto extraído do livro "Tempo e Contratempo", Edições O Cruzeiro - Rio de Janeiro, 1954, p. sem número, publicado com o pseudônimo de Vão Gogo.
sexta-feira, 4 de maio de 2012
quinta-feira, 3 de maio de 2012
AULA DE MATEMÁTICA
(Antonio
Carlos Jobim & Marino Pinto, 1958)
Pra que
dividir sem raciocinar
Na vida
é sempre bom multiplicar
E
por A mais B
Eu
quero demonstrar
Que
gosto imensamente de você
Por
uma fração infinitesimal,
Você
criou um caso de cálculo integral
E
para resolver este problema
Eu
tenho um teorema banal
Quando
dois meios se encontram desaparece a fração
E
se achamos a unidade
Está
resolvida a questão
Prá
finalizar, vamos recordar
Que
menos por menos dá mais amor
Se
vão as paralelas
Ao
infinito se encontrar
Por
que demoram tanto os corações a se integrar?
Se
infinitamente, incomensuravelmente,
Eu
estou perdidamente apaixonado por você.
NA
AULA DE MATEMÁTICA
(Chico
Nery, 12/09/1984)
Quando
olhas para mim…
Os
números racionais ficam irracionais,
Os
reais, imaginários
E os
complexos ficam reflexos.
Quando
olhas para mim…
O
triângulo fica móvel,
O
círculo, quadrado
E o
quadrado fica reverso.
Quando
olhas para mim…
Os
conjuntos ficam sem elementos,
Os
subconjuntos, maiores que os conjuntos
E o
vazio desaparece.
Quando
olhas para mim…
Os
múltiplos ficam primos,
Os
primos, irmãos
E todos
os números ficam divisíveis.
Quando
olhas para mim…
Os
deltas ficam negativos,
As
equações, sem raízes
E as
funções sem domínio.
Quando
olhas para mim…
As
derivadas ficam sem limite,
Os
gráficos, sem inflexão
E as
tangentes nem se tocam.
Quando
olhas para mim…
Os
poliedros ficam sem faces,
O
côncavo vira convexo
E o
Teorema de Euler fica sem nexo.
Quando
olhas para mim…
O
sistema fica impossível,
A
matriz, redonda
E o
determinante se anula.
Quando
olhas para mim…
O sinal
fica sem som,
A aula
sem professor
E o
aluno bate com o dedo no meu ombro:
-
Mestre, a aula acabou.
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