sexta-feira, 4 de maio de 2012

Poesia Matemática  Millôr Fernandes

Às folhas tantas do livro matemático um Quociente apaixonou-se  um dia  doidamente por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
 uma figura ímpar;
olhos romboides, boca trapezoide,
 corpo retangular, seios esferoides.
 Fez de sua uma vida paralela à dela até que se encontraram no infinito.
 "Quem és tu?", indagou ele em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos. Mas pode me chamar de Hipotenusa.
" E de falarem descobriram que eram (o que em aritmética corresponde a almas irmãs) primos entre si.
E assim se amaram ao quadrado da velocidade da luz
 numa sexta potenciação traçando ao sabor do momento e da paixão retas,
curvas, círculos e linhas senoidais nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
 E enfim resolveram se casar constituir um lar, mais que um lar, um perpendicular.
 Convidaram para padrinhos o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro sonhando com uma felicidade integral e diferencial.
 E se casaram e tiveram uma secante e três cones muito engraçadinhos.
 E foram felizes até aquele dia em que tudo vira afinal monotonia.
Foi então que surgiu O Máximo Divisor Comum frequentador de círculos concêntricos, viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela, uma grandeza absoluta e reduziu-a a um denominador comum.
 Ele, Quociente, percebeu que com ela não formava mais um todo, uma unidade.
Era o triângulo, tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração, a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade e
 tudo que era espúrio passou a ser moralidade como aliás em qualquer sociedade.

 Texto extraído do livro "Tempo e Contratempo", Edições O Cruzeiro - Rio de Janeiro, 1954, p. sem número, publicado com o pseudônimo de Vão Gogo.

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